Tema doação de sêmen ainda é cercado de dúvidas; confira o porquê
Se no passado havia um estigma de que a infertilidade era uma questão feminina, hoje já sabemos que a saúde reprodutiva do casal precisa ser investigada na busca pela tão sonhada gravidez. O estudo ‘A unique view on male infertility around the globe’ (“Uma visão única sobre a infertilidade masculina em todo o mundo”, em tradução livre), publicado no periódico Reproductive Biology and Endocrinology, estima que 30 milhões de homens em todo o mundo são inférteis. As causas mais comuns costumam ser varicocele, estilo de vida pouco saudável, fatores genéticos ou hormonais, além de problemas na produção e qualidade dos espermatozoides.
Doação de sêmen
A medicina reprodutiva caminhou bastante desde então e já podemos recorrer a investigações mais modernas, como espermograma (capaz de avaliar a qualidade do sêmen), perfil hormonal e exames de imagem mais acurados, tudo para tentar reverter a infertilidade masculina. Em alguns casos, pode ser apenas um status do momento, que deixa de existir com tratamentos e cuidados específicos. Agora, se mesmo assim não funcionar, ainda é possível tentar um plano B: a doação de sêmen.
Hoje, a doação de gametas masculinos é indicada em casos em que:
- há risco de doenças genéticas ou transmissíveis pelo pai;
- anormalidade ou baixa contagem de espermatozoides;
- além de ser muito recorrente para mulheres que desejam uma produção independente e casais homoafetivos femininos.
Desse modo, a gestação fica viável através da inseminação artificial (IA) ou da fertilização in vitro (FIV).
Como funciona a doação no Brasil
No Brasil, a doação de deve ser um ato altruísta. Ou seja, sem fins lucrativos e anônimo, segundo as diretrizes da Resolução nº 2.320/22, do Conselho Federal de Medicina. Para usar o material de bancos de sêmen nacionais ou internacionais, é preciso ter o amparo das clínicas de reprodução assistida, que solicitam o material para os interessados.
“No Brasil, ainda não temos uma cultura de doação (de gametas), mas tem melhorado e as pessoas têm aceitado mais”, explica Hitomi Miura Nakagawa, ginecologista especialista em reprodução, vice-presidente da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA) e atual diretora e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
Segundo o Relatório de Produção de Embriões (SisEmbrio), divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 2020 a 2023, foram 1.345 gestações clínicas que ocorreram a partir dos procedimentos de coleta de sêmen para doação. Embora seja muito menos recorrente do que no restante do mundo, é um começo. A seguir, entenda tudo o que você precisa saber sobre este método que pode, sim, te ajudar a realizar o sonho de formar uma família.
O que é a doação de esperma?
Chamada também de doação de sêmen ou gametas masculinos, a doação de esperma é um procedimento simples, no qual um homem cede seus espermatozoides para pessoas que não conseguem engravidar de forma natural. O material é armazenado congelado em bancos de sêmen e é destinado para o uso em técnicas de reprodução assistida, como a inseminação artificial e fertilização in vitro.
Para quem é indicada a doação de esperma?
Comumente, a doação de esperma é indicada nos casos relacionados à infertilidade masculina, como quando há alterações nos espermatozoides (baixa motilidade, baixa contagem, anormalidades ou produção zerada); problemas testiculares; e no caso de alguma doença genética ou sexualmente transmissível. Também é uma opção bastante procurada por casais homoafetivos femininos e mulheres que desejam a maternidade independente.
Quem pode ser doador de sêmen?
Homens de 18 a 45 anos podem doar seus espermatozoides, desde que seja atestada sua saúde física e mental. De acordo com as diretrizes da Resolução 2.320/2022 do CFM, a doação não pode ter caráter lucrativo ou comercial e deve ser anônima.
A identidade do doador é sempre sigilosa?
Sim, embora os bancos compartilhem informações do doador, tais como cor de cabelo, origem étnica, altura, peso, cor da pele, além da tipagem sanguínea e histórico de doenças — em alguns bancos há registros também de religião, hobby e signo
“O princípio primordial da doação de material genético é o anonimato, especialmente no Brasil este é um viés muito forte”, explica Izabel Bajjani, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões. Portanto, os receptores não podem conhecer os doadores — exceto em caso de doação para parentes de até 4º grau, desde que não haja consanguinidade por parte da receptora.
Existe uma triagem para quem quer ser doador?
Sim. Ao se apresentar no banco de sêmen, o doador passa por uma triagem médica, na qual é feito um rastreamento de infecções sexualmente transmissíveis, além de seus hábitos de vida e sua saúde mental. “Examinamos para buscar hepatite, HIV, HTLV, sífilis, gonorreia, clamídia e outras doenças, como zika, por exemplo”, indica a ginecologista Hitomi. Todavia, histórico de tabagismo, dependência química e alcoolismo também fazem parte desse rastreamento e podem impedir que o homem possa ser aceito pelo banco de sêmen.
Como é o processo da doação?
O interessado em doar procura um banco de sêmen e passa pela triagem. Geralmente, é solicitado também que o homem fique de 2 a 7 dias sem relações sexuais ou masturbação antes da coleta para evitar a ejaculação e garantir a qualidade da amostra. Depois de aprovado, o doador fornece as amostras através da masturbação, feita em ambiente privado do banco de gametas.
Então, este material é processado em laboratório para que fiquem apenas os espermatozoides, sem os líquidos da coleta e, uma vez analisada sua qualidade, ele é armazenado congelado em nitrogênio líquido. As características físicas e informações gerais ficam disponíveis em um cadastro no banco de sêmen e, quando solicitado pela receptora, ele é transportado até a clínica onde ocorrerá a fertilização in vitro ou a inseminação artificial.
E como a receptora pode solicitar os gametas no banco de sêmen?
Primeiro, é feita uma triagem da receptora, para entender também se ela está em condições físicas e psicológicas para receber a doação. Depois, o médico indica os bancos disponíveis e os interessados fazem a busca no sistema, conforme suas preferências, e informam o médico da escolha, já que eles não podem solicitar sozinhos a retirada do material.
“A mulher não consegue chegar no banco de sêmen e falar: ‘vou levar este’. Ela volta na clínica, indica o perfil ao médico, que faz a reserva do material no banco e orienta toda a tramitação”, indica a diretora e membro do conselho consultivo da SBRA. O sêmen, então, parte do banco e chega até à clínica preservado, sendo descongelado apenas no dia do procedimento escolhido.
Posso recorrer a um banco de sêmen internacional?
Sim, é possível recorrer a bancos de outros estados e países. As clínicas brasileiras, que seguem a normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para reprodução assistida, já possuem essa interface com outras clínicas no exterior e realizam todos os trâmites da solicitação, acompanhamento e recebimento do material.
Contudo, um diferencial relatado pelas famílias que recorreram a um banco de sêmen internacional é a quantidade de informações disponíveis sobre o doador. Enquanto aqui no Brasil o perfil é básico e com poucos itens, em alguns países é possível ter um detalhamento maior do doador, em alguns casos, até mesmo com fotos. Por isso, muitas pessoas preferem desembolsar um valor maior para ter mais controle sobre de quem está vindo o gameta.
Preciso pagar pelos espermatozoides?
O gameta masculino em si não tem custo e o doador não recebe nada por seu ato altruísta. O que os receptores irão arcar é com o valor de serviço de armazenamento, análise, profissionais envolvidos no processo e, claro, com o transporte, lembrando que o valor fica maior quando vem de outro estado ou país.
Os valores também diferem conforme a localidade, a clínica e os profissionais envolvidos. Em média, o trâmite todo do banco de sêmen à clínica custa de R$ 4 mil a R$ 6 mil para os nacionais e até R$ 10 mil, caso sejam importados. Vale lembrar que são acrescidos nesse valor, ainda, os procedimentos da FIV ou da inseminação, que giram em torno dos R$ 35 mil.
Existem direitos e deveres de quem doa esperma?
Basicamente, o doador precisa atender às exigências da regulamentação do CFM, passar pela triagem que determine sua saúde física e mental e fornecer informações verdadeiras sobre seu histórico para doenças genéticas hereditárias. O homem assina também um termo que o ausenta das responsabilidades e direitos referentes àquela criança.
Há um limite de quantas vezes o homem pode doar?
Não há um limite exato de quantas vezes o homem pode doar. No entanto, há uma diretriz do CFM restringindo quantos bebês podem ser gerados do mesmo doador. Segundo o texto, não podem haver mais de dois nascimentos de crianças de sexos diferentes em uma área de 1 milhão de habitantes — “exceto quando uma mesma família receptora escolher um(a) mesmo(a) doador(a), que pode, então, contribuir com quantas gestações forem desejadas”, diz o trecho.
“É para que não tenha consanguinidade. Então, precisamos relatar para o banco se teve nascimento ou não (decorrente daquele sêmen) e aí aquele doador não deve mais doar para aquela região”, diz a médica ginecologista Hitomi. O intuito é evitar que possíveis irmãos biológicos se relacionem sem saber que são parentes.
*Foto: Reprodução/https://br.freepik.com/fotos-gratis/teste-de-gravidez-ainda-arranjo-de-vida_20822980.htm#fromView=search&page=1&position=3&uuid=9d6d0b4d-add8-4976-af8e-8200871c4ddd